segunda-feira, 18 de maio de 2009

Inimigos invisíveis, artigo de Isaac Roitman

“A gripe suína será combatida com os conhecimentos científicos e tecnológicos e, em futuro breve, passará para a história. No entanto, se não acabarmos com o inimigo que envenena a formação de nossa personalidade é possível que não tenhamos futuro”

Isaac Roitman é doutor em microbiologia, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e do Conselho da SBPC. Artigo publicado no “Correio Braziliense”:

Antes da descoberta do microscópio por Leeuwenhoek (1650) e os trabalhos de Pasteur (1871) e Koch (1881), a transmissão de doenças era explicada por meio da teoria dos miasmas, segundo a qual as doenças estavam associadas com a putrefação e maus odores, que se propagavam pelo ar.

A partir do trabalho desses cientistas se comprovou que vários microrganismos - bactérias, fungos, protozoários e vírus – causam doenças infecciosas que são transmitidas por diferentes formas. Os vírus, que são os microrganismos de menor tamanho (20 a 400 nânometros), só podem ser observados no microscópio eletrônico.

A partícula viral é muito simples, constituída de ácidos nucléicos e proteínas, causam doenças, tais como gripe, resfriado, caxumba, raiva, hepatite, dengue, poliomielite, febre amarela e Aids.

Recentemente, as manchetes da mídia têm sido ocupadas pelo surto da gripe suína, que, do México, está se alastrando para vários países. O receio da expansão da doença e os registros de outras endemias, principalmente a gripe espanhola que, em 1918, causou a morte de aproximadamente 30 milhões de pessoas, justificam o alerta e a introdução de medidas para o controle da doença.

A gravidade da gripe suína, que é uma doença viral, provavelmente se deve a mudanças genéticas ocorridas a partir de um vírus pré-existente.

Esse é um processo que ocorre de forma permanente na natureza em todos os seres vivos. É ainda muito cedo para se fazer simulações e previsões corretas. Dados como a taxa de mortalidade e a modulação da transmissão poderão contribuir para a elaboração de previsões confiáveis. Embora tenhamos hoje conhecimentos científicos e tecnológicos para o diagnóstico, tratamento e controle de doenças virais, muito mais avançados e efetivos que no início do século 20, a grande facilidade de mobilidade das pessoas poderá facilitar a disseminação da doença.

No entanto, é importante lembrar que, ao contrário da crença popular, é somente um pequeno número de microrganismos (bactérias, fungos, protozoários e vírus) que causa doenças em seres humanos ou em outros seres vivos.

A maioria desses organismos são úteis para o ser humano ou como co-habitantes do nosso corpo, onde desempenham importante papel fisiológico, e na fabricação de vários produtos, entre os quais os antibióticos, os laticínios, o pão e o álcool. Também são importantes na agricultura, mediante bactérias fixadoras de nitrogênio.

No entanto é oportuno, antes de concluir esse artigo, refletir sobre outro inimigo invisível, que é aquele que está em nós mesmos. Ele causa deformação no nosso comportamento. Ele se caracteriza pela deformação de nossa personalidade modulando as nossas ações no dia a dia. Ele é o responsável por nossa ambição desmedida, pelo consumismo desenfreado, pelo egoísmo, pela da falta de solidariedade e de outras mazelas que envergonham a raça humana. Esse inimigo se consolida da observação, que se inicia nos primeiros anos de vida, de um mundo pobre em princípios morais e civilidade, mergulhado em um cenário de violências, de falta de confiança, de caos social e rico em desesperança.

A deformação da personalidade transforma-se em uma força a modular a ação coletiva, que provoca cenário planetário de injustiça social, onde centenas de milhões de pessoas têm que sobreviver abaixo da linha de miséria (menos de US$ 2 por dia), e que certamente serão mais susceptíveis à gripe suína e a outras doenças.

Essa deformação é responsável pelas guerras, crimes de diferentes tipologias, pela corrupção e pelo comportamento de maus gestores, maus políticos, pela especulação enganosa, enfim pelas ações de todas as pessoas que exerçam papel na sociedade e que possuem pouca ou nenhuma formação moral e ética.

Esse inimigo pode ser combatido e talvez eliminado em algumas gerações, se tivermos, gradativamente, mudança de cenário presenteando as futuras gerações, que terão o privilégio de construírem uma personalidade que redundará em um mundo justo e solidário, onde cada ser humano possa exercer com plenitude e felicidade essa experiência fantástica que chamamos vida.

A gripe suína será combatida com os conhecimentos científicos e tecnológicos e, em futuro breve, passará para a história. No entanto, se não acabarmos com o inimigo que envenena a formação de nossa personalidade é possível que não tenhamos futuro e todos seremos somente parte de uma triste história.
(Correio Braziliense, 16/5)

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